sexta-feira, 27 de junho de 2008

Largo e Profundo

No instante
Em que o sino da igreja anuncia
A hora da Ave Maria
O Menino outra vez desafia
A Guarda Municipal
Precipita-se por entre o comércio informal
E o mar de gente confusa
Desce a alameda em queda livre
E vai se abrigar nos braços da Meretriz
O Ambulante canta a oferta
Abafando o alerta de pega ladrão
No instante seguinte
O Padre bendiz o Menino
No ato do seu sermão
E a Carola, samaritana boa
Que momentos antes
Perdera a bolsa e a fé nos meninos
Reza e perdoa
E tudo volta ao normal

Percebo um olhar de soslaio
No Largo Treze de Maio
Coberta de jóia falsa
A maquiagem realça
O rosto da Moça da Vida
E a pouca idade que tem
A Guarda esquece o menino
O Ambulante grita de novo
E o povo se agita na praça

É tudo pressa de novo
E o Ônibus passa
E passo Eu e o Menino
A Carola e a Puta
Só o Largo Treze não passa.

Serginho Poeta

quarta-feira, 25 de junho de 2008

Ode à Caneta Operária

Óh, Minha Caneta!
Enquanto vejo o azul marinho
Na transparência do teu corpo
Ma pergunto:

- Tú que foras feita
pelas mãos de um operário
que é provável
nunca leia este poema
não és também uma operária?

Pois, labutas, incansável
Nesta fábrica de palavras
Que organizas com capricho
Levas à vitrine (que é o verso)
Da mais bela à necessária
E ao lixo mandas
Com um rabisco sobreposto
A que entendes não servir

Conduzes os meus dedos
Pelas luzes da imaginação
E o papel que era branco
Ganha a coloração
Que liberas da esfera
Do teu extremo

Outras, semelhantes a ti
Geradas pelas mesmas engrenagens
Correm folhas por aí
Assinando sentenças
E legitimando guerras

Nós, companheiros de viagem
Nessas horas intermináveis
De inspiração e agonia
Nunca haveremos de compartilhar
Os textos maquiavélicos
Destas atrozes assinaturas
Que desmoronam casas e poemas

Quando observo os teus movimentos
Penso ser eu, o operário a conduzir-te
Que toda a poesia já está em ti
No interior da carga
Que carregas como veia

Por isso, estimado objeto
De horas absortas
Quando vencerem-nos
Estes bárbaros senhores
Com suas canetas sem asas

Debaixo dos escombros
Dos seus ódios
Haverão de achar-nos
Entre letras, abraçados um ao outro
Os arqueólogos de um mundo novo
Que a nossa poesia, imortal
Há de criar.

Serginho Poeta

Os Meninos de Onde Eu Moro

Nunca os vejo falar das estrelas
Talvez, não possam vê-las
Os meninos de onde eu moro
Rezam em coro outros assuntos
Mais terrenos que celestes
Mas tem sonhos tão distantes quanto os astros

Se o fuzil é mais sonoro que a caneta
Quais os rastros que segui pra ser poeta?
E outro alguém, quais seguiu pra ser bandido
Se na flor da nossa idade era tudo parecido?

Será que para cada Ferreira Gullar
Haverão sempre de existir muitos
Fernandos Beira-Mar para servirem de exemplo?
E o literato, viverá sempre longe
Como um monge em seu templo de palavras?
Se os meninos não enxergam as estrelas
Há muito de errado
E qual a causa da falência?

A ciência social ainda é superficial
Para diagnosticar a culpa
E nada me preocupa mais do que os meninos
Mas o que podem os meus poemas
Contra a força-motriz desse trágico moinho?

Estão lá,
Ignorantes da presença das estrelas
Só peço à elas que não deixem de brilhar
Para que, quem sabe
Eles possam encontrar um bom caminho.

Serginho Poeta