domingo, 8 de fevereiro de 2009

Paraisópolis II

Paraisópolis (04/02/2009)

Os passarinhos eu não os tenho ouvido
Todos devem estar acuados em algum cantinho verde descoberto neste território
Hoje tem cavalaria, tem cachorro bravo
O som agora é papapapapapapapa
Há um pássaro de aço sobre a minha cabeça
Sobre a favela este som que faz a vigília todo o tempo
Nas entradas, tudo que é camuflado está explícito
Todos uniformizados
Lá o aço também se faz presente em formato de fuzil
Do céu o som
Dos lados, a imagem do uniforme camuflado, o controle
Aqui dentro, uma só pressão
No peito, na garganta, nos olhos
E no estômago
As pessoas passam olhando para o chão, suas caras estampam a tristeza imposta
A rua que é sempre cheia, com as pessoas de roupas coloridas, está quase vazia
Pouco movimento
Não agüento mais esta máquina na minha cabeça
papapapapapapapa
A cidade Paraíso no seu antagonismo máximo
Contradições, desproporções, uma cadeia ao ar livre,
Contradição...
Os contra e os a favor
Uma garota me diz ao telefone
"Desculpa, ontem eu não fui a aula por causa da guerra"
Escuto e não acredito, aquilo parece um raio dentro de mim.
A guerra
É isto, olha, escuta ........ papapapapapapapapa
Ele não para
Vigia este povo, esta gente com a pele escura
Esta gente quase nua, vigia, controla
A guerra,
É só isto
Aqui são 80 mil, e o espaço.... só um pedacinho de chão
assim ....o Paraíso
Paraisópolis
Todas as pessoas vigiadas, todas as lotações verificadas, cada sacolinha que a humilde senhora carrega tem que ser mostrada, as casas invadidas para averiguações
Humilhação
Por cima, pelos lados, controle, opressão
Debaixo esta a pressão, vai explodir, vem explodindo,
E assim vem aquela força e os meninos vão
Seus atos são vândalos, mas o seu inconsciente não
Traz dentro de si o arquétipo do cabresto, a humilhação, a miséria de seu povo,
Lamentavelmente o seu grito é assim... visceral, irracional, é na paulada, tijolada,
Foram vândalos, marginais,
Os meninos sem escolas, nem estas de mentirinha que a gente conhece eles têm, destituídos de muitos direitos
A pressão cresce, e é também um sentimento mesclado, camuflado, que a gente não explica bem
Pressão crescente, desta vez de baixo para cima
Explode em pauladas, tijoladas, incêndios, caos
Atos vândalos

A cidade Paraíso esta em explosão
Razão?????
É a guerra, tia
É a guerra....
papapapapapapapapapa

-- Diane de O.Padial

Parisópolis I

Bom, semana passada a cidade ficou estarrecida com as imagens que chegavam de Paraisópolis, uma favela da zona sul paulistana. Eram mais de cem meninos entre 14 e 20 anos queimando carros, "barbarizando a bárbarie". Sabe, não vou julgar o fato, apenas pensar que se o motivo do protesto foi o assassinato de um membro do PCC, como disseram os repórteres, durante uma blitz policial, eles estão defendendo o grupo deles, ou o grupo que eles acreditam. E nós, pseudo-intelectuais da periferia, ou sociólogos de plantão, o que fazemos para que estes meninos simpatizem com as nossas idéias?
Há meses um segurança das Casas Bahia, matou um cliente (rapaz) aqui da região com um tiro à queima roupa. E nós, o que fizemos além de nos indignarmos? Pois é, será que não vale um protesto (sejá lá de qual forma) para chamar a atenção para a barbárie que acontece aqui?

Agora a Favela de Paraisópolis está sitiada, fui lá sábado passado em uma festa de formatura (é, os rapazes de lá também se formam) e o que vi foi homens de metralhadoras e roupa camuflada. Espero que disto não nasçam as milícias, como as que agem no Rio, e executam os meninos de bombetas e moleton.

Quanto à forma de protesto, utilizo uma frase do rapper Mano Brown:

"Ceis dão taça de veneno e quer sufflair?"

quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Valete

Valete, taí uma carta do baralho por quem eu nunca tive simpatia. Aquele maluquinho com ar arrogante de quem tudo pode. Prefiro os ases. As copas, espadas... acompanhadas do A são muito mais atraentes, me lembram as madrugadas que eu passava no bar do Ribeiro, apostando os trocos que eu ganhava olhando carro. Os ases são os ladrões, os artistas. Os números são o zé-povinho.
De repente vinham aquelas cartas com figuras de gente azeda. Tem os reis e as damas que, para mim, não fedem nem cheiram. Estes são os patrões. Mas o valete, em especial, é que não desce, porque se parece com aqueles playboyzinhos engomados da mesma idade que eu tinha e que, por conseguirem um cargo interno, ficavam me olhando com desprezo, nas empresas em que trabalhei como office-boy. Nunca gostei dessas figuras, usam perfumes comprados a crédito e camisa colada no peito. Ficam babando o ovo do chefe, querendo promoção, querendo puxar o tapete dos malucos, e quando o chicote estala, quando os caras descolam a conspiração, são os primeiros a ser demitidos. Aí, você tromba os vacilão no boteco da favela, bebendo e querendo desabafar, cheios de humildade e barba malfeita, falando gíria e o caralho.
O primeiro carro que eu roubei foi de um desses, que passam o sábado com um balde de água e sabão e uma lata de cera ouvindo putz-putz nos falantes. Minha raiva era muita. Sei lá, acho que estava de mal com Deus naquele dia. O indivíduo não tinha culpa, mas descarreguei o meu ódio em cima dele. Xinguei, bati, apavorei o cara de tal forma que até chorou. Implorou pra eu não apertar o gatilho. Detesto ver homem chorando, mas não fiz isso, não, que o que eu queria mesmo era o carro. Mas ri como um louco e depois fiquei sério e mandei o cuzão correr. Parecia um valete gigante, com pernas e braços, daquelas histórias tipo O Mágico de Oz ou Alice no país sei lá o quê. Tinha cheirado muito, por isso a viagem.
Pois é, roubei carro até umas horas. Me tornei um ás neste ofício. No começo era só de valetes, depois eu enquadrei uns reis também. Dama, não, porque eu achava que, se a casa caísse e vagabundo soubesse que eu tava roubando mulher, isso ia contar uns pontos no meu currículo criminal. Mas, ó, dava a maior vontade de deixar aquelas patricinhas a pé. Queria ver, esperando o buzão que nem a minha irmã, quando voltava do trampo, tomando encoxada de jack dentro do ônibus.
Virei profissional. Com menos de um ano de correria, já tinha roubado uns setenta carros. Não tinha alarme que eu não soubesse anular. O Aguinaldo, meu truta lá da rua, trabalhava numa empresa que fabrica essas merdas e me deu a letra de como destravá-los. Nem o satélite me rastreava. Quando pude, dei um fusca pra ele de presente, comprado legalmente numa feira perto de casa.
Foi foda quando ganhei nome. Tava molhado pra mim, todo mundo já sabia das minhas habilidades. Um tiozinho trancou a porta com chave dentro e me pediu ajuda. Meti a mixa e já era. Mas aí, tá ligado, né? O verme bebeu umas cachaças a mais e pronto. Sempre tem um ganso ouvindo conversa de zé-povinho.
Me pegaram e eu tive que ficar uma cota roubando pra sustentar o delegado e os seus gorilas. Aí, tava embaçado pra eles, a corregedoria em cima, cobrando serviço, a imprensa toda hora falando. Os caras tentaram me matar, mas eu sobrevivi. Fui pro hospital com quatro tiros, mas escapei. Fiquei um tempo cagando no saquinho e vim parar nessa porra de cela. Dividindo colchonete com outro irmão, deitado que nem um valete. Olha a ironia.
Os manos-de-fé que correm pelo certo sempre me mandam uma letra. Várias idéias pra eu parar de roubar, tentar uma vida nova quando sair daqui e tal.
Sei lá, no fundo, eu me sinto que nem essas cartas que tanto odeio. Parece que minha alma tem dois lados, depende do que está por cima no dia.
Bom, tenho tempo pra pensar, peguei doze anos e só cumpri seis até agora. Na minha última tentativa de assalto, um valete quis dar uma de pá e eu furei ele bem em cima do J.
É assim mesmo, tem dia que tudo dá certo, no outro nem tanto.

Serginho Poeta
O Guardião do Tempo

Hoje sou a janela por onde passado e futuro se contemplam. Cada um com a sua infância, neto e avô sabem tudo o que eu ainda não sei, ou que já esqueci. Ignorante dessas coisas de velho e criança, olho adiante e vejo, quase sempre, nada além de notas vermelhas no boletim, a falta de um agasalho na tarde de inverno, a palavra pronunciada da forma errada... Quando olho para trás deparo-me com o ar severo de quem me criou, como se esquecesse a fisionomia que tinha no instante ido, terna e paciente. A correção dos meus vícios de homem feito, como a displicência no trânsito, o cigarro a cada meia-hora, faz com que eu me pergunte por que meu pai não me criou da mesma maneira que trata o meu filho, sem muitas exigências. Mas eu mesmo posso responder a esta questão sem grandes dificuldades e sem muita psicologia: - O fato é que passado e futuro não podem se enxergar sem essa lente misteriosa da contemplação. Um admira quem foi e o outro, quem se tornará. Cada bronca que ainda levo, não é a mim que se destina, mas ao meu sucessor, como um alerta à essa fascinante e árdua tarefa de perpetuar a espécie. Pena que os gestos pueris com que se comuni-cam dispensem a minha participação. Tenho notado que os beijos e brincadeiras exageradas entre neto e avô são para me mostrar que só são possíveis graças à firmeza com que seguro os elos da corrente entre o antes e o depois.

Serginho Poeta

domingo, 16 de novembro de 2008

A Hora da Estrela (O Poema)

De repente algo perturba, incomoda
E por mais que se tente não se pode
Afastar o desejo repentino que explode
Por dentro do corpo e da cabeça toda

E parece então que algo desbota
Como nascesse enfim outro universo
Dentro da alma e após no verso
E o verso depois é quem denota

Como um parto, dou à luz a personagem
Pálida, confusa e assustada
Como alguém assim recém chegada
Que não conhece no espelho a própria imagem

Solto ao mundo um ser ainda empelo
Emergido ele de mim mesmo
Como espasmo que se sente a esmo
Como um grito a escapar do pesadelo

Tão pobre em si é minha idéia
Nascida antes mesmo de nascer
Que como um cão que é cão sem o saber
Nada saberá de si minha Macabéa

Só terá ciência do que eu lhe impuser
Ademais saberá que é nortista
Que deseja ao longe ser artista
Além, apenas que é mulher

Mas por mais que falte nela
Uma centelha qualquer de ânimo
Um espírito sagaz ou magnânimo
Há no seu passado uma janela

E pela vidraça estilhaçada eu observo
A história dessa jovem aqui sentada
Na platibanda do jardim da invernada
Ao meu lado esperando enquanto escrevo

Devo dizer dela: Órfã cedo
Pagou pelo infortúnio de ser pobre
Na cidade onde cedo se descobre
Que a solidão é um sanguinário desenredo

Esquece-te agora, oh Macabéa
Do navio que some no horizonte
Do marinheiro alinhado aí defronte
É a hora da estrela e da estréia

Esta insossa criação insatisfez a obra
Pobre e parco ser que só revela
Uma criatividade morna
De um criador tão morno quanto ela
E se escrevo,
Escrevo apenas porque a mim não basta
Esta minha vida fútil
Que se desgasta inutilmente
Mas antes de escrever eu vivo
E fosse, escrever somente
Juro então que eu não a mataria

Mas apressa-se agora, minha cria
Que enfim tornar-se-á uma estrela
E de todos os lugares virão vê-la
Manchada de sangue ao meio fio
E poderá quem sabe descobrir-se
N’outro plano,
Longe da cidade em desvario

Dou-lhe à sorte de um sonho avesso
De uma urbana e comum fatalidade
E volto aos afazeres do meu cotidiano

De ti, ó musa ignóbil, me despeço
E quem sabe um dia,
Em uma tarde de algum tempo que eu tiver
À prateleira de alguma biblioteca
Poderei por ledo engano
Encontrar sua vida a sangue escrita
Adulterada pelas mãos de outro poeta

Serginho Poeta

terça-feira, 15 de julho de 2008

Neruda

O que uma lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados? Respondo que o oceano sabe. Por quem a medusa espera em sua veste transparente? Está esperando pelo tempo, como tú. Quem as algas apertam em seus braços? Perguntas mais firme que uma hora e um mar certos? Eu sei perguntas sobre a presa branca do narval e eu respondo contando como o unicórnio do mar, arpado, morre. Perguntas sobre as plumas do rei-pescador que vibram nas puras primaveras dos mares do sul. Quero te contar que o oceano sabe isto: que a vida, em seus estojos de jóias, é infinita como a areia incontável, pura; e o tempo, entre uvas cor de sangue tornou a pedra lisa, encheu a água-viva de luz, desfez o seu nó, soltou seus fios musicais de uma cornicópia feita de infinita madrepérola. Sou só uma rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão e de dedos habituados à longitude do tímido globo de uma laranja. Caminho como tu, investigando as estrelas sem fim e em minha rede, durante a noite, acordo nu. A única coisa capturada é um peixe dentro do vento.

Pablo Neruda

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Diário de Bordo

Cada navio afundado, cada navio a passar
Tem no seu bojo um diário
Tendo os diários de bordo tem-se a historia do mar
As algas do mar são cabelos
Que os anjos cortam no céu
E as ilhas os grandes novelos
Que enrolam o fio do horizonte
Quando a noite desce seu véu
As ondas batendo são cantos escritos na pauta da areia
Gravados à noite nas conchas
Por uma orquestra de santos e um grande coral de sereias
As pérolas dentro das ostras
São lágrimas tristes de Deus
São prantos de gotas acesas
Belezas de tantas tristezas
Diamantes que dizem adeus
As pedras são astros, que velhos
Caíram no mar entre a bruma
Estrelas que se congelaram
O limo que as cobre são rugas
E os brancos cabelos a espuma
As grutas do mar são castelos
Antigas moradas dos deuses
As festas no mar são de gala
E os peixes o corpo de baile
E as águas tocando verseuses
Rastro de luz no oceano
É o caminho de São Pedro
Tá no jardim no infinito
Só os namorados o querem
E onde os poetas vão sê-lo
A terra foi mar no começo
O mar é a terra que temos
Trabalho dos pescadores
É empurrar mar pra terra
Com o movimento dos remos
Mar que enfurece e se acalma
Maré que enche e recua
É o corpo do mar que obedece
A tudo que manda sua alma
Que mora com a alma da lua
Cada navio afundado, cada navio a passar
Tem no seu bojo um diário
Tendo os diários de bordo tem-se a historia do mar

Paulo César Pinheiro