quarta-feira, 2 de julho de 2008

San ernesto de La Higuera

Por que o meu corpo não estava à frente
Do tiro que irrompeu a tua carne?
Poderias, com muito mais capacidade,
Enfrentar o mal que ronda a minha casa.
Vejo, da minha janela, o escuro lá fora.
Ouço os gritos e me acovardo!
A ave de rapina pilha o ninho vizinho,
Enquanto eu conto ao meu filho a tua história.
Falo do que fizestes; da bravura que tivestes.
Só temo que ele me pergunte o que eu faço.
Devo dizer que temo o bicho-papão?
E se o mal invadisse a minha casa
Nesse exato instante em que te escrevo?
Esconderia-me debaixo da cama?
De certo que não.
Mas, então, eu me pergunto:
Por que não enfrento o monstro, lá fora?

Longe da minha casa e da minha cria?
Tua foto está ao lado da dele, Ernesto.
É como se eu pedisse proteção.
Teu retrato na parede
É como uma corrente de alho,
Que espanta os maus espíritos.
Ajoelharia-me diante do teu quadro,
Onde olhas para o horizonte,
E faria uma prece por tua ajuda.
Mas sei que não seria do teu agrado.
Não ensinaste ninguém a se curvar.
Então, se me ouves,
Ainda que, hoje, sejas apenas história,
Inspira-me com tua coragem revolucionária!

Estaria disposto a morrer, essa noite,
Enquanto escrevo esse desabafo,
Se a minha morte
Trouxesse um novo sol para o meu povo.
Não aquele, de oito de outubro,
Na Quebrada Del Churo,
Onde foras alvejado por uma bala cega.
Mas um, como na tarde de Havana, em 1959.
Se a minha morte valesse um sorriso
De um índio peruano,
De uma criança da Nicarágua,
De um negro do Haiti!
Se o meu sangue afogasse
O imperialismo ao norte do continente
E a minha carne fosse a última
A servir de alimento
Ao bico afiado da águia,
Certamente, não me arrefeceria a alma,
Atitude tão engajada nos teus conceitos.

Depois, Ernesto,
Acenderíamos um bom charuto
Numa pedra em Higuera.
E sobre o horizonte,
Para onde olhas na fotografia,
Veríamos o entardecer no céu da Bolívia,
E, então, poderíamos descansar em paz.

Serginho Poeta

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