quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

O Guardião do Tempo

Hoje sou a janela por onde passado e futuro se contemplam. Cada um com a sua infância, neto e avô sabem tudo o que eu ainda não sei, ou que já esqueci. Ignorante dessas coisas de velho e criança, olho adiante e vejo, quase sempre, nada além de notas vermelhas no boletim, a falta de um agasalho na tarde de inverno, a palavra pronunciada da forma errada... Quando olho para trás deparo-me com o ar severo de quem me criou, como se esquecesse a fisionomia que tinha no instante ido, terna e paciente. A correção dos meus vícios de homem feito, como a displicência no trânsito, o cigarro a cada meia-hora, faz com que eu me pergunte por que meu pai não me criou da mesma maneira que trata o meu filho, sem muitas exigências. Mas eu mesmo posso responder a esta questão sem grandes dificuldades e sem muita psicologia: - O fato é que passado e futuro não podem se enxergar sem essa lente misteriosa da contemplação. Um admira quem foi e o outro, quem se tornará. Cada bronca que ainda levo, não é a mim que se destina, mas ao meu sucessor, como um alerta à essa fascinante e árdua tarefa de perpetuar a espécie. Pena que os gestos pueris com que se comuni-cam dispensem a minha participação. Tenho notado que os beijos e brincadeiras exageradas entre neto e avô são para me mostrar que só são possíveis graças à firmeza com que seguro os elos da corrente entre o antes e o depois.

Serginho Poeta

Nenhum comentário: